Gurgel Itaipu E-400 1982 Telerj - RJ
A aventura do carro elétrico
O Itaipu surgiu de um protótipo nã motorizado de 1973 chamado T.U. (transporte Urbano). Era um mini carro tipo furgão de carga com linhas retas e total desprezo a qualquer visual mais agradável, característica adotada por praticamente toda a vida da empresa.
Os protótipos motorizados só apareceram em 1974, já batizado Itaipu em homenagem a maior hidrelétrica do mundo na época. Os planos da Gurgel incluíam a criação de uma versão táxi, a utilização de freio regenerativo (auxiliando a recarga da bateria a cada frenagen) e a disponibilização de kits sobressalentes de baterias para compensar o tempo de imobilização do veículo durante a recarga, num esquema semelhante ao da “troca” de botijões de gás de cozinha.
O Itaipu foi apresentado no IX Salão do Automóvel, ainda como protótipo. Seu formato já se distanciava muito do T.U.: tratava-se agora de um mini-automóvel para dois passageiros, com apenas 2,65 m de comprimento, embora mantendo o perfil em cunha e a grande inclinação do para-brisa dianteiro do T.U.. Apresentado com carroceria aberta ou fechada, tinha quatro faróis quadrados e rodas de 13 polegadas. A tecnologia da carroceria e do chassi seguia a tradição da Gurgel (fibra e plasteel); a suspensão dianteira era independente (McPherson) e a traseira por barras de torção, com freios a tambor nas quatro rodas. O protótipo tinha motor elétrico longitudinal central de 3,2 kW (4,2 cv) e baterias importados (12 unidades, sob o assento e na traseira); o sistema de controle de velocidade era provisório. Pesava cerca de 500 kg e sua autonomia podia chegar a 60 km; o tempo de recarga, no entanto, ainda era muito elevado (dez horas para um conjunto de baterias totalmente descarregadas).
O Itaipu, primeiro automóvel elétrico totalmente operacional projetado e construído no Brasil, custava metade do que um VW 1300 – um dos mais baratos carros brasileiros de então – embora se soubesse que, devido ao custo alto dos motores elétricos de tração, dos controles eletrônicos de velocidade e de baterias mais leves e eficientes, carros elétricos sempre custavam mais do que os equivalentes a gasolina. A realidade viria a se revelar pouco tempo depois, com o lançamento dos primeiros utilitários elétricos da marca, que custariam o dobro da versão a gasolina. Assim, o elevado custo inicial do carro elétrico deixava de compensar sua longa vida útil (30 anos) e o custo operacional efetivamente muito mais reduzido (cerca de 80%) do que os concorrentes a gasolina. Este enfoque equivocado levou a que o sucesso do Itaipu dependesse da concessão de benefícios fiscais, isenção de taxas de importação e criação de políticas nacionais, que nunca chegaram.
E-400
Em 1977 João Augusto mudou provisoriamente de foco com relação à forma de aplicação do veículo elétrico, desenvolvendo um protótipo de picape média para uso comercial, que apresentava potencial de mercado muito maior do que um mini-carro urbano. Utilizando a carroceria da picape X-20, recém-lançada no X Salão, construiu um protótipo com 1,5 t de capacidade de carga e autonomia de 90 km. Aperfeiçoado nos anos seguintes, o projeto seria dado por concluído em junho de 1980, quando foi anunciado “para breve” o lançamento do Itaipu E-400 – furgão elétrico para uso de concessionárias estatais de serviço público (telefone, gás, eletricidade) e para a distribuição de cargas leves. O carro tinha 3,82 m de comprimento, 1.470 kg e carga útil de 400 kg; à exceção do motor, todos os órgãos mecânicos eram Volkswagen – aqueles normalmente utilizados pela Gurgel -, inclusive a caixa de marchas, equipamento não usual num veículo elétrico (para reduzir o preço do carro, João Augusto optou por não utilizar variadores contínuos eletrônicos de velocidade e sim um câmbio convencional, da Kombi). A energia era fornecida por oito baterias tipo chumbo-ácido (vida útil de 800 ciclos, ou cerca de quatro anos; tempo de recarga reduzido para 8 horas), assegurando autonomia entre 80 e 100 km e 70 km/h de velocidade máxima. O motor elétrico já era de fabricação nacional, da Villares. Previa-se a produção inicial de 100 unidades mensais do carro, que também disporia de modelos picape, cabine dupla e van, além de uma versão mais pesada (o furgão E-2000, para duas toneladas de carga) e um microônibus.
O início da carreira do E-400 pareceu auspicioso. Já em fevereiro de 1981 a Gurgel venceu concorrência para a venda de cinco carros elétricos para a Telebrás, que buscava alternativas para a redução dos gastos de combustível em sua frota; pouco depois, também a Telerj, a Telesp e a Souza Cruz declararam interesse no veículo. Tratava-se ainda, porém, de um mercado totalmente desconhecido, sendo universal a percepção das limitações técnicas e do alto custo dos veículos a bateria. Testado pela Telesp, por exemplo, a autonomia foi 25% menor do que a anunciada (apenas 60 km por carga de bateria); o custo operacional se revelou cerca de 40% mais baixo do que do veículo equivalente a álcool, embora tal economia ainda não compensasse o preço mais elevado do carro elétrico.
Apesar disto, em mais um lance temerário, a Gurgel inaugurou em junho de 1981, em Rio Claro, uma unidade exclusiva para a fabricação em série do carro elétrico, num investimento de 5 milhões de dólares (a “1ª fábrica de veículos elétricos da América do Sul”, conforme orgulhosamente divulgou a empresa).
Em maio de 1983, após mais de dois anos do surgimento do E-400, quando apenas 100 exemplares haviam sido vendidos, o modelo foi substituído pelo Itaipu E-500, com baterias melhoradas, permitindo maior autonomia (120 km) e aumento na capacidade de carga (de 400 para 500 kg). Na oportunidade, redimensionando suas metas, João Augusto informou ter a expectativa de colocar no mercado de 200 a 300 carros elétricos por ano.
Em fevereiro de 1984 a empresa apresentou o Itaipu E-250, com carroceria muito semelhante à do XEF e início de produção previsto para o ano seguinte. Numa volta parcial à temática do transporte individual, a Gurgel projetou o E-250 como uma picape leve para três pessoas e aspecto de automóvel de passageiros; quando do seu lançamento, o carro usaria a nova bateria tetrapolar. O desenvolvimento da bateria foi dado por concluído apenas em 1986; os planos da Gurgel eram de produzi-las em sua própria fábrica, o que acarretava um novo problema – mais recursos para investimento, maior endividamento, abertura de nova frente de negócios –, num momento em que a empresa já avançava, firmemente, para outros rumos.
Assim, nem a bateria nem o E-250 entraram em produção. Em 1987 a fabricação dos carros elétricos já havia sido descontinuada: tendo sido fornecidas pouco mais de 100 unidades (apenas uma adquirida por pessoa física), este se constituiu no primeiro grande revés na trajetória da Gurgel.
*Texto parcialmente retirado do site: https://www.lexicarbrasil.com.br/gurgel-i/
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